Aurora Cunha – 63 anos
Aldeia de Trinta
“Fui criada aqui nesta rua. Vinha todos os dias beber água ao chafariz. Um dia estava lá muito bem, descansadinha, e ouço um barulho, uma coisa muito estranha. Era uma junta de vacas, que tinham fugido de um terreno agrícola e vinham desenfreadas pela calçada abaixo. Eu trazia um vestido cor-de-rosa. O meu pai era alfaiate e a minha mãe também fazia a minha roupa. Trazia um vestido cor-de-rosa e uma delas, sem querer, enfia-me um chifre no vestido e levanta-me. Eu tinha seis, sete anos. A minha sorte, vivia aqui um senhor nesta casa branca, que se apercebeu e libertou-me. Era comum as galinhas andarem na rua e inclusive havia praça ao fim-de-semana, vinham as pessoas das aldeias do Mondego, que é a parte mais quente, onde havia as primeiras frutas, e traziam-nas para nós comprarmos. Vinham de Famalicão da Serra, vinham de Videmonte, vender manteiga pura. Aqui era uma terra de lanifícios, de indústrias. Chegámos a ter sete fábricas, mas só está uma a laborar. Aos 10 anos, saí da escola e fui trabalhar. Tínhamos em Fevereiro a Senhora das Candeias, tínhamos em Setembro, que depois mudou para Agosto, a Senhora do Soito, que era uma grande festa. Ainda chegámos a fazer o Espírito Santo, poucas vezes, porque é um santo muito pesado, é um santo em pedra. Aqui a procissão das velas é uma procissão digna de ver. Tenho saudades das pessoas. Havia mais amizades, aquelas amizades que ficam. Tenho muitas saudades desses tempos. Dos meus pais. O meu pai era alfaiate. No Natal, eu fazia a minha árvore, um pinheirinho, que ia buscar aos terrenos, e o meu pai tinha clientes das aldeias vizinhas. Se me pusessem uma moeda de 25 tostões, que nem sei agora quanto é, eu ficava tão contente… Verdade, eu ficava muito contente, muito contente, mesmo. Sou do tempo em que no Natal vinha aqui um carro vender laranjas e nós trocávamos duas ou três batatas por uma laranja. Tempos muito pobres, mas, ao mesmo, em que era tudo muito amigo”