Benilde Mendes Vaz – 70 anos

Ferraria de São João

“Nasci em 1951. Amanhavam-se as terras todas de cima ao fundo. Milho, centeio, aveia, batatas, tudo. Os homens às vezes iam para a ceifa, lá para baixo, para o Alentejo, ou iam fazer a azeitonada, no tempo da azeitona, aqui perto. Eu também fui. O meu pai tinha bois, tinha burra, tinha porcos, tinha um rebanho que ia para a serra… trabalhámos muito. As famílias eram grandes, com cinco e seis filhos. Nós éramos só três. Eu era a mais nova. Eles foram embora para África e eu fiquei aqui sozinha mais os velhos. Era pequenina, andava na segunda classe, e já me levavam para as terras, de manhã cedo, para desfolhar o milho, ainda de noite, por causa do calor. Depois fui para África. Os meus irmãos estavam lá. Fui para África casada por procuração. Tinha 20 anos. Casei naquela capela ali em cima. O noivo estava em Lourenço Marques. Andámos a namorar cinco anos, à distância. Ele às vezes dizia: “Agora não me escrevas que vou para o norte”. Era assim, uma incerteza. Demo-nos sempre bem. Fomos muito felizes, graças a Deus. Quando fui para lá, tínhamos uma mercearia. Eu trabalhava no balcão. O meu marido estabeleceu-se quando veio da tropa, nos arredores de Lourenço Marques. Tenho saudades da minha mocidade. Éramos muitas raparigas aqui na aldeia. Íamos à missa todas juntas e era uma festa de lá para cá, uma dizia uma coisa, outra dizia outra, era uma brincadeira. Bons tempos. África era uma terra muito boa. Vivi lá cinco anos, vim em 74. Gostei, comprei uma casa. Só estivemos três meses dentro dela. No dia 7 de Setembro tivemos de fugir. E no dia 18 a minha filha mais nova nasceu. Eu não tinha roupa para lhe vestir, a minha madrinha é que me ajudou a fazer o enxoval para ela, porque tivemos de fugir sem nada. O meu marido tinha os pais na Suazilândia, ainda lá ficou algum tempo depois do 25 de Abril. Era uma terra boa, muito bonita, eu gostava do trabalho, adorava mesmo aquilo. Só que depois as coisas tornaram-se como se tornaram e a gente também tinha medo de lá estar. E tivemos de vir para a Ferraria. O meu marido foi trabalhar para uma recauchutagem e lavagem de carros e eu estive sempre aqui na aldeia. Tenho muitos terrenos por aqui, tirinhas pequenas. Fiquei com porcas criadeiras e com uma vaca. Fazia uns queijos, com o leite dos meus animais. Queijo de cabra. O meu genro ainda traz leite de vez em quando para se fazer queijo. Se pudesse voltar atrás, não ia para lado nenhum, a não ser para aqui. Até os estrangeiros vêm para aqui”