Leopoldina de Fojo – 85 anos
Aldeia de Trinta
“No meu tempo de juventude, a aldeia era muito divertida, muito alegre. Agora é um cemitério. Tenho dias que não vejo passar nem um rato. E tenho as portas abertas, que eu gosto de ter as portas abertas. Nem um rato. As famílias davam-se muito bem. Muitas crianças. Os cavalos e os burros, os rebanhos, eram uns a irem e outros a virem, aí na rua. Até diziam que os Trinta eram uma pequena cidade. Logo de manhã se sentiam os teares. Quem pudesse, arranjava um tear, para os cobertores de papa, que tinham lã das ovelhas. Eu cantava muito, muito. Trabalhávamos e cantávamos. Era para ser fadista, mas olhe, o meu pai não me deixou. “Adeus ao chafariz da praça, onde íamos a namorar, onde estavam os nossos amores, à espera para connosco falar”. E era verdade. Eles acabavam de trabalhar, à noite, comiam, iam a sentar-se e a gente ia à fonte. Quando lá sentíamos os nossos namorados, pegávamos no regador ou no cântaro, íamos a buscar água e ao fim chegávamos ao cimo da rua, despejávamos na valeta e tornávamos a ir para os vermos. O que era o amor, está a ver? Andávamos lá na brincadeira, molhávamos-los e eles molhavam-nos a nós. Era lindo, era muito lindo, até o amor era mais bonito. Nunca pensei chegar a esta idade. Tive quatro filhos e uma filha, que estão em França. Só um é que de lá trouxe, era barman. Morreu no dia 10 do mês de Natal. Mas trouxe-o para cá, tenho-o além no cemitério. E é por isso que eu aqui estou, nos Trinta. Estive 35 anos em França, nas limpezas. Aguentei-me naquele país, que eu não gostava. Quando ia trabalhar, de manhã, pelo caminho as pedras diziam-me assim: “Vai-te embora daqui, tu não és daqui”. Aguentei-me para não trazer os meus filhos. Nos Trinta era um vida pobre. Eu a encher as canelas no tear para os cobertores de papa ganhava 25 tostões e três escudos e os tecelões, o meu marido, ganhavam cinco escudos em cada peça. Em França, ao fim de um mês, logo me arranjaram trabalho. Lá, ganhava bem. Sete francos por hora. E eu chegava a dar 12 horas e ainda ia pôr as mesas às minhas patroas, quando tinham os amigos, às sextas-feiras e aos sábados. Ao fim de um ano, comprei esta casa”