Maria José Simão – 78 anos

Fajão

“Vim para cá com 14 anos. Não havia estradas como agora, eram umas veredas, por onde caminhavam as cabras. Já cá vinha o carro, mas havia só a estrada principal, com terra. Quando casei, disseram ao meu marido que a nora não precisava de trabalhar. E o meu marido respondeu: a primeira coisa que comprei à minha mulher foi uma corda e uma roçadeira, para ir ao mato. Era assim. A gente trabalhava no campo. Cavava, semeava, íamos ao mato, guardávamos as cabras, tudo. Íamos buscar a farinha ao moinho e cozíamos a broa no forno comunitário. Não havia pão a vender. Mas, ao mesmo tempo, a vida até era mais alegre. As pessoas, parece-me, eram mais amigas umas das outras. Tudo cantava e tudo dançava. Quando andávamos nas fazendas, tudo cantava. Agora é tudo mudo, ninguém tem voz para cantar. Nunca fui à escola, meteram-me a servir aos sete anos. Sei fazer o meu nome e ler umas coisitas porque aprendi com os meus filhos. Se pudesse voltar para trás não voltava nem um minuto. O meu tempo foi tão ruim que eu não queria voltar. Foi muito duro, a gente trabalhava muito. Já fui a Fátima, já fui à Batalha, Alcobaça, Nazaré. Já andei nos computadores, andava na ginástica, agora ando nas bonecas de trapos. Vou a todo lado. Gosto de conviver com as pessoas. Para estar isolada, estou isolada aqui em minha casa. Ora choro, ora rio, ora canto. Sozinha, dentro de casa”